Índices

sábado, 13 de dezembro de 2014

Haveria racismo e discriminação em "Aventuras de Xisto"?

   Pode-se considerar normal ou mesmo natural que determinadas, a maioria ou mesmo todas as obras de um escritor que nasceu e viveu durante uma época racista, misógina e homofóbica contenham elementos que representem o pensamento de tal período, entretanto, querer ver homofobia, misoginia e racismo, entre outros, em tudo chega a ser extremista e, em alguns casos, um ato de desespero fomentado por equívocos como a falta de atenção ou o desconhecimento histórico e geopolítico, entre outros.
   Um desses casos é uma publicação feita no blog "Perigo na Escola" (aparentemente criado e mantido ativo somente durante março de 2011) em que o livro "Aventuras de Xisto", da autora Lúcia Machado de Almeida, recebe a acusação explícita de ser racista e preconceituoso para com pessoas gordas, além de certa insinuação de misoginia. Vejamos o que diz a publicação:


O que vou contar aqui, nunca contei para ninguém. Tenho vergonha de falar sobre o assunto. É um trauma de infância e foi provocado por um livro adotado na escola como LEITURA OBRIGATÓRIA.
Acho que eu estava na quinta ou na sexta série quando a professora MANDOU que  nós lêssemos o livro As aventuras de Xisto. É um livro sobre um garoto na Idade Média, com bruxos e bruxas. As bruxas são as vilãs, e são mulheres velhas, corcundas e feias. Como na época da inquisição.
Mas foi uma outra coisa no livro que provocou todo o problema. Os dois personagens principais da história são Xisto e Bruzo. O livro diz que: “jamais iria haver no mundo mais generoso coração, mais lúcida inteligência e mais nobre alma do que a de Xisto!”. Xisto era magro, loiro de olhos azuis, um típico ariano! Já Bruzo “engordou e ficou barrigudo, mas cresceu um pouco. Amigo de Xisto desde a infância, continuou a sê-lo na adolescência. Pena que tivesse raciocínio um tanto confuso”. Enquanto Bruzo é gordo e burro, Xisto é magro e inteligente. E Xisto é loiro. Bruzo é moreno! A autora Lúcia Machado de Almeida aprendeu bem com Lobato como ser racista e eugenista.
Hoje eu consigo olhar para esse livro e até ler, mas durante muito tempo eu passava mal só de olhar para a capa dele. Mas guardei como uma recordação do suplício pelo qual passei e como uma advertência. Claro que ele está escondido. Não iria deixar meus filhos terem contato com esse tipo de livro, cheio de racismo e preconceito contra pessoas acima do peso.
Acontece que quando eu era pequeno, eu já era meio gordinho. Era também moreno. E alguém resolveu me chamar de Bruzo. Me chamavam de Bruzo e diziam que eu era gordo e burro como ele! Eu chorava muito, e não queria ir para a escola, mas minha mãe me obrigava. Eu cheguei a falar para minha mãe sobre o livro, mas ela disse que a professora que tinha mandado ler e que a professora não ia escolher o livro errado. E ir para a escola ia se tornando um suplício cada vez maior, uma tortura. Eu chegava e as crianças já iam gritando: Olha o Bruzo, burro e gordo!
E o pior é que tivemos até que fazer uma prova sobre o livro. Fiquei traumatizado e nunca tive coragem de falar sobre isso com ninguém, mas tenho coragem agora.
Assim como eu, muitas outras crianças acima do peso devem ter sofrido com esse livro e obrigada a ler ele. E o pior de tudo é que ele ainda está aí, em muitas bibliotecas escolares e adotava por professores como leitura obrigatória. Que mal estamos fazendo para nossas crianças! E ninguém faz nada! (PERIGO NA ESCOLA. 2011)


   Então, o trecho na publicação que chamou minha atenção foi esse: "(...) Enquanto Bruzo é gordo e burro, Xisto é magro e inteligente. E Xisto é loiro. Bruzo é moreno! A autora Lúcia Machado de Almeida aprendeu bem com Lobato como ser racista e eugenista". Acontece que, em primeiro lugar, não tem nada aí que possa ser caracterizado como racista tal qual em Monteiro Lobato. Eugenista? Talvez, mas a estória em questão se situa num hipotético "reino situado num enorme continente que se perdia no meio do mar, ignorado pelo resto do mundo" (DE ALMEIDA. p.06), ou seja, desprovido de qualquer contato com, por exemplo, asiáticos, ameríndios e africanos, se é que o mundo em questão é o nosso.
   Além disso, cabe ressaltar que o adjetivo "moreno" ali presente, apesar de ser utilizado eufemisticamente para se referir a alguém de tez escura, querendo-se evitar que a utilização de qualquer outro termo possa ser tomada como racista, tem em seu sentido original a designação da cor de cabelo. Enquanto "loiro(a)" designa alguém de cabelo amarelo e "ruivo(a)" se refere a alguém de cabelo vermelho, "moreno(a)" diz respeito a alguém cujos cabelos são pretos ou castanhos.
   Talvez aí resida a confusão acerca do suposto racismo equiparável ao presente na obras de Lobato, confusão essa que não se justifica, pois o livro é ilustrado e e Bruzo aparece nas que constam nas páginas 07, 29, 40 e 125, fora as ilustrações em que aparece transformado em bebê:





   Como é possível ver, o coadjuvante Bruzo, que era magro, mas engordou, possui a tez clara como a do protagonista Xisto, portanto, não cabe aqui associar o termo "moreno" à cor da pele. Porém, além do suposto racismo, acho que também cabe discutir a suposta misoginia, a questão da eugenia e, por fim, a discriminação contra pessoas gordas.


Misoginia em "Aventuras de Xisto"?

   Além da acusação de racismo, a publicação no blog já mencionado diz ainda que "as bruxas são as vilãs, e são mulheres velhas, corcundas e feias", entretanto o livro é bem claro ao descrever a existência de apenas quatro bruxos no mundo, dos quais apenas Fredegonda é mulher, conforme o seguinte fragmento, extraído da página 14.




   Dois séculos de vida... Como esperar que a pessoa não envelheça, mesmo tendo poderes mágicos, não é mesmo? Fora que pode muito bem se tratar apenas de aparência deliberadamente mantida por motivos diversos (amedrontar, passar uma imagem de fragilidade, etc), bastando lembrar que todos os bruxos da saga Harry Potter, por exemplo, envelhecem e mantém tal aparência, apesar de aparentemente serem capazes de viver longamente.
   Só que o livro "Aventuras de Xisto" fornece uma ilustração de Fredegonda, presente na página 69:




   Além de uma descrição da tal personagem, na mesma página:




   Ou seja, não é de todo verdade que "as bruxas são as vilãs, e são mulheres velhas, corcundas e feias", o mais acertado a dizer é que dentre os vilões principais, os quatro últimos bruxos restantes sobre o mundo, há um que é do sexo feminino e  que tem dois séculos de idade, portanto, sendo velha, andando curvada (a ilustração, ao menos, passa isso, um andar curvado, não uma corcunda) e tendo uma aparência que não é das melhores (embora seja melhor que a do primeiro bruxo derrotado, Jacomino, um ser mestiço de homem e árvore), sendo que o porquê da aparência de idosa é implicitamente explicado mais adiante, no seguinte trecho presente na página 75:




   Com isso pode-se concluir que, dentro do universo em que se passa a estória de "Aventuras de Xisto", não são todos os bruxos que podem aparentar ter a idade que desejarem e, dos quatro últimos restantes, apenas Minoco, O Senhor do Tempo, pode fazê-lo e "ele tem a faculdade de rejuvenescer ou envelhecer as pessoas à vontade" (DE ALMEIDA. p.71), o protagonista Xisto ainda deduzindo que é graças a ele (Minoco) que Durga, o mais velho e poderoso dos quatro bruxos, se mantém jovem. A questão é: por qual motivo ele não teria rejuvenescido Fredegonda também? Penso que talvez ela fosse considerada muito jovem para ser rejuvenescida.


"Aventuras de Xisto" e a apologia à eugenia

   Eu, particularmente, penso que não. A grande verdade é que qualquer pessoa pode ver absolutamente qualquer coisa que desejar em tudo. Assim, da mesma forma como tendemos a reconhecer rostos e outras imagens na natureza, como nuvens com formato de dragão ou mesmo a face do Filho do Deus Cristão em torradas, folhas de árvores ou no traseiro de um cachorro (não estou inventando, se você ainda não viu, procure, vira e mexe essas coisas aparecem no Feed do meu Facebook e, às vezes, até são noticiadas em um ou outro telejornal).
   Enfim, voltando à eugenia, Bruzo é retratado como:




   Lendo atentamente, pode-se perceber que ele não é visto como inferior ao protagonista, mas sim como um complemento. Enquanto um possui uma inteligência acima da média, o outro possui grande força física, também acima da média, como o trecho na página 41, quando os rapazes lutam conta Jacomino, diz:





   Além disso, há mais uma passagem, na página 44:





   Essa passagem levanta um questionamento sobre a suposta eugenia: Como pode o "ariano" Xisto ser fisicamente mais fraco que o "inferior" Bruzo? A ideologia da superioridade da raça ariana compreendia não somente a aparência e a inteligência, mas também a força física e mesmo o desenvolvimento de poderes místicos ou mentais, conforme Ricardo José Barbosa da Silva (2009. p.105) informa, ao tratar do pensamento de Lanz von Liebenfels:


Para ele, os deuses representavam formas superiores de vida (theozoa) anteriores e superiores a uma raça de homens-bestas (anthropozoa). Estes seres superiores eram dotados de órgãos sensoriais especiais que lhes conferiam poderes mentais extraordinários, mas que atrofiaram por conta da mestiçagem desses homens-deuses com os homens-bestas. Por isso, "Lanz insistia que um programa universal de segregação poderia chegar a restaurar esses poderes aos arianos, já que eles seriam os descendentes mais próximos dos homens-deuses".


   Ainda segundo o autor (na mesma página), a revista Ostara ajudou a difundir o pensamento de Lanz e influenciou o próprio Hitler.   Portanto, como é possível perceber, há uma relação de complementação entre as personagens e, além dessas passagens, temos ainda outra bem elucidativa, na página 16:




   Por ela é possível ver que, na realidade, Bruzo pode ser considerado um personagem com o que se chama de "deficiência intelectual", havendo em Xisto uma imagem de tolerância e compreensão para com o mesmo, não inferiorização. Penso que isso por si só baste para se fazer uso do livro como material de ensino de tolerância, coexistência e compreensão para com pessoas que são deficientes intelectuais, de aceitação do outro como ele é, ao invés de "não deixar seus filhos terem contato com esse tipo de livro".
   Parece mesmo que há uma tendência por negativar tudo e reduzir as coisas a um espectro de "preto ou branco", "oito ou oitenta", ao invés de procurar encontrar outras formas de lidar com elas, transformando-as em ferramentas úteis para o propósito civilizatório.
   É verdade que as personagens da estória em questão são todas de tez clara? Sim, é, mas também é verdade que a Idade Média propriamente dita, com suas ordens de cavalaria, seus monastérios, castelos e feudos foi um período histórico bem próprio do continente Europeu, no qual as pessoas possuem as características apresentadas pelas personagens da estória e, por mais que outras regiões tenham passado por períodos semelhantes, como é o caso do Japão, elas não tiveram as mesmíssimas características, ou seja, a obra procura seguir certo rigor histórico, sua trama estando situada numa região geográfica e historicamente relacionada à Europa.


A discriminação contra as pessoas gordas

   Para encerrar essa publicação, que ficou maior do que eu havia pensado, tem-se a questão da discriminação contra as pessoas acima do peso, a qual foi expressa pelo seguinte trecho:



Acontece que quando eu era pequeno, eu já era meio gordinho. Era também moreno. E alguém resolveu me chamar de Bruzo. Me chamavam de Bruzo e diziam que eu era gordo e burro como ele! Eu chorava muito, e não queria ir para a escola, mas minha mãe me obrigava. Eu cheguei a falar para minha mãe sobre o livro, mas ela disse que a professora que tinha mandado ler e que a professora não ia escolher o livro errado. E ir para a escola ia se tornando um suplício cada vez maior, uma tortura. Eu chegava e as crianças já iam gritando: Olha o Bruzo, burro e gordo!


   Quanto à questão da relação entre a discriminação contra pessoas acima do peso e o livro, penso que não se possa tomar o infeliz episódio em questão para tratar a obra como causa da discriminação, pois a aceitação e a discriminação são questão de educação e esta tem começo em casa, logo, o problema não é esta ou aquela obra, mas sim a falta de educação familiar voltada para a aceitação do outro como ele é aliada à ausência de imposição de limites.



Considerações Finais

   Se considerarmos que o ocorrido descrito pela publicação é um fato e não um factoide com o objetivo único de respaldar as acusações feitas ao conteúdo da obra, então tem-se uma infeliz coincidência, na qual havia um garoto com características físicas compatíveis às de um personagem de livro infanto-juvenil e outros tantos garotos e garotas desprovidos de educação voltada para aceitá-lo, assim, do jeito que ele era.
   Entretanto, penso mesmo que tais acusações sejam exageradas, não levando em consideração o próprio universo no qual a estória se situa e tratando a obra como a causa para o problema (supostamente) vivenciado.
   Por fim, interessei-me pelo livro, já que não o conhecia (ele pertence à Coleção Vaga-lume), e continuarei a pesquisar sobre o assunto, averiguando as outras obras da autora mineira, como: "Xisto no Espaço", "Xisto e O Pássaro Cósmico", "Spharion", "O Caso da Borboleta Atíria" e "O Escaravelho do Diabo".


Lúcia Machado de Almeida



Capa de uma das edições do livro "Aventuras de Xisto"





REFERÊNCIAS


DA SILVA, Ricardo José Barbosa. História invisível: Uma análise psicossocial das raízes mágico-religiosas do nacional socialismo. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-24022010-081416/publico/silva_rjb_do.pdf>

DE ALMEIDA,  Lúcia Machado. Aventuras de Xisto. 13ª ed. São Paulo: Ática, 1982. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/6566064/As-Aventuras-de-Xisto#download>. Acesso em: 11 Dez. 2014.

MOULT, Julie. Woman passenger beaten by train thugs - for being FAT. Publicado em: 19 Out. 2009. Disponível em: <http://www.dailymail.co.uk/news/article-1221405/Overweight-people-campaign-make-Britain-fat-friendly.html>. Acesso em: 12 Dez. 2014.


PERIGO NA ESCOLA. Preconceito em Aventuras de Xisto. Publicado em: 06 Mar. 2011. Disponível em: <http://perigo-escola.blogspot.com.br/2011/03/preconceito-em-aventuras-de-xisto.html>. Acesso em: 11 Dez. 2014.


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Artigos, pronomes e a identidade de gênero

   É comum nos depararmos com textos repletos de palavras contendo determinadas vogais substituídas pela letra "x" ou pelo símbolo "@" (arroba), sobretudo no Facebook, por intermédio de páginas dadas à politização e vinculadas a alguns movimentos sociais, principalmente àqueles relacionados à questão da identidade e igualdade de gênero (movimentos feministas e movimento LGBTS, entre outros), mas também em sites relacionados direta (mantidos por entidades) ou indiretamente (pertencentes a indivíduos, sejam eles militantes ou simpatizantes) a esses mesmos movimentos.











   Muitos não sabem o porquê dessa substituição, mas é bem simples de entender: havendo o entendimento de que a sociedade tem se desenvolvido sob parâmetros machistas e patriarcais, procura-se igualar os gêneros masculino e feminino em diversos espaços, como o civil, o político, o militar e, entre outros, o linguístico também, pois a língua portuguesa seria machista, podendo-se utilizar dos seguintes exemplos para comprovar isso:

I - Quando houver um agrupamento constituído por duas ou mais mulheres e somente um homem, a pessoa que for se referir a esse conjunto deverá fazê-lo utilizando-se do pronome pessoal "eles", jamais "elas".
   Ex.: Sabe a Carla, o João, a Flávia e a Ana? Pois é, foram eles que me disseram isso!

II - A esmagadora maioria das espécies animais é vulgarmente denominada e reconhecida pelo mesmo nome dado ao indivíduo macho daquela espécie, como em "leão", "homem", "cachorro", "gato", "lobo", "urso" e tantos outros.
   Ex.: Os leões não possuem predadores naturais e são parentes dos gatos, os quais caçam os ratos que, se não controlados, podem infestar a cidade. 


   Fora isso, ainda tem o fato de que os pronomes e artigos masculinos são utilizados para a referenciação generalizada, coletiva, a exemplo da primeira exemplificação. E é por isso que muitos fazem a substituição das vogais nesses pronomes e artigos, para que a referenciação se dê de maneira mais igualitária.
   Quanto à minha opinião a respeito, bem, eu penso que seja um desperdício de tempo fazer tais substituições, já que outras construções podem ser perfeitamente utilizadas, mantendo-se o sentido do texto e deixando clara a referência a homens e mulheres. Fora que o uso dessa prática em palavras terminadas em "-nte", parece-me deveras esdrúxula (tão esdrúxula quanto substituir o "-e" por um "-a", como em "presidenta", mas mais à frente volto a falar sobre), já que tais palavras são de utilização válida tanto para homens quanto para mulheres (salvo exceções, as quais comprovam a regra) - no mínimo, essa substituição deveria ocorrer somente no determinante (artigo, numeral, pronome) precedente a tais palavras. Assim "os estudantes" viraria "@s estudantes", e não "@s estudant@s", como já cheguei a ver.
   Enfim, a partir disso, penso que seria bom discorrer um pouco acerca do processo de formação de alguns determinantes da língua portuguesa, sobretudo dos artigos e dos pronomes.


A Origem Origem dos Pronomes da Terceira Pessoa e dos Artigos


   Segundo ASSIS (p.12), "o latim clássico não possuía artigos, enquanto o latim vulgar apresentava pronomes demonstrativos e o numeral unus com o valor de determinativo (artigo definido e indefinido)". Assim, (adaptando o exemplo dado pela mesma autora) o que hoje dizemos "O livro" ou "um livro" era indistintamente dito em latim clássico como "liber", enquanto que no latim vulgar se dizia "illu libru" (o livro) e "unu libru" (um livro).
   Teyssier (p.17) nos dá maiores detalhes sobre o processo de transformação de pronomes demonstrativos latinos nos artigos definidos portugueses:


Um artigo definido forma-se com base no demonstrativo ille. As quatro formas saídas do acusativo, diferenciadas em número e em gênero — illum, illam, illos, illas —, dão inicialmente lo, la, los, las, em virtude da aférese sofrida pelo seu emprego pro clítico. Como estes artigos vinham freqüentemente precedidos de palavras terminadas por vogal — ex.: vejo lo cavalo, vende la casa —, o l desapareceu à semelhança de todos os l da língua que se achavam em posição intervocálica, com o que se chegou às formas o, a, os, as. E, por fim, para compensar o empobrecimento da morfologia nominal, a ordem das palavras torna-se mais rígida. 


   Pinho (2012, p.208) também menciona o demonstrativo latino ille:


O que mais chama a atenção na comparação do sistema pronominal latino com o sistema pronominal do português é a falta de um pronome de terceira pessoa em latim. Tal falta era compensada com outras estratégias, tal como o uso dos pronomes demonstrativos ipse e ille.


   Discorrendo, ainda, sobre o desenvolvimento desses dois demonstrativos em pronomes pessoais da terceira pessoa, destacando que ille predominou na maior parte da România (o território ocidental do Império Romano) e também tratando do processo de transformação do mesmo em artigo definido, citando Tarallo (sim, eu sei que é "feio" utilizar apud quando a obra é acessível ao público, mas como nesse caso e momento ela não o é para mim, faço uso desse recurso):


Os artigos vieram da forma acusativa – a única que sobreviveu nos nomes –, do pronome ille, que eram illum e illam. Como os artigos concordavam, como ainda hoje, com o substantivo que os acompanhava, com o desaparecimento do caso nominativo dos substantivos, na passagem no latim vulgar ao romance, também há o desaparecimento da forma ille dos artigos, restando illum/illam, no acusativo, com as respectivas formas do singular e do plural. Portanto a seguinte evolução na formação dos artigos definidos:

Masculino singular: illum > illu > ellu > elo > lo > o
Masculino plural: illos > ellos > elos > los > os
Feminino singular: illam > illa > ella > ela > la > a
Feminino plural: illas > ellas > elas > las > as

(TARALLO apud PINHO. 2012, p.210-211)


   Ao tratar mais aprofundadamente sobre o pronome da terceira pessoa, Pinho diz que:



Além da oposição entre o gênero masculino e o feminino, há o gênero neutro, que se perdeu ao longo da evolução da língua. Mas o português moderno ainda conserva alguns traços do gênero neutro entre os demonstrativos: isso, isto e aquilo, que atualmente fazem referência a objetos inanimados (ex.: “Olhe só para aquilo no chão. Parece uma pedra”). A existência do gênero neutro na terceira pessoa faz com que se tenha um paradigma um pouco mais complexo em latim vulgar. (PINHO. 2012, p.217-8)


   E aqui chegamos ao ponto que eu gostaria de tratar: A existência do gênero na Língua Portuguesa é uma realidade, então, seria possível estendê-la de modo a facilitar a contemplar a igualdade entre os gêneros?


"Neutralizando" a Língua


   Pode parecer estranho para alguns, mas a Suécia discutiu em 2012 e aprovou em 2013 a criação de um pronome neutro para a terceira pessoa, pois a língua sueca possuía, até então, somente um pronome masculino e um feminino para a terceira pessoa, "han" e "hon", respectivamente. Assim, o pronome "hen", cunhado por linguistas suecos durante a década de 60 (ROTHSCHILD, 2012), passou a ter a sua adoção discutida, adoção essa que já havia sido sugerida em 1994, pelo linguista Hans Karlgreen (Idem, 2012).
   Mas o grande diferencial desse episódio ocorrido na Suécia não é a intervenção política para a adoção de um pronome neutro para a terceira pessoa, pois não só intervenções políticas acontecem na utilização das línguas desde que o mundo é mundo, como muitas línguas possuem pronomes neutros para a terceira pessoa, mas sim no fato de que esse pronome também é útil para se referir a alguém que não se identifica com os papéis tradicionais de gênero.
   Então, retomando e ampliando a questão: Sendo a existência do gênero na Língua Portuguesa uma realidade, seria possível estendê-la, mediante a criação de pronomes e artigos, de modo a facilitar a contemplar a igualdade entre os gêneros?
   Eu penso que sim, que seja possível e que, inclusive, pode-se tomar o episódio sueco como exemplo de praticidade, uma vez que seria virtualmente impossível fazer vigorar a utilização de 16 (dezesseis) diferentes pronomes para a terceira pessoa do singular - 32 (trinta e dois), se considerarmos o plural. Portanto, o ideal seria a adoção de um pronome neutro para a terceira pessoa, de uso mais geral, além do seu respectivo plural.
   Uma medida como essa seria, no mínimo, interessante, mas, como também é possível ver a substituição de vogais por "x" e "@" em artigos, demonstrativos e outros pronomes, não seria o suficiente e haveria a necessidade de criar uma versão neutra para cada um, a grande questão passando a ser "como seriam esses pronomes?" (sim, eu considero os artigos mais como pronomes do que como uma classe gramatical em separado).


"Neutralizando" a Língua e explorando as possibilidades do Português


    Pois bem, lembro de, no Youtube, ter visto, em certo canal (não lembro agora qual), uma menção ao demoníaco personagem denominado "Ele", do desenho "As Meninas Superpoderosas", como "êla", pois "Ele" seria extremamente andrógino, tornando-se dificílima a sua referenciação. A mescla dos pronomes masculino e feminino da terceira pessoa para formar um terceiro pronome mostra-se curiosa e, na realidade, não é "nova", sendo mencionado no Dicionário Informal, em 12 de abril de 2011, pelo usuário "Linguista de Plantão".


Uma combinação dos pronomes ele e ela. Usado para definir uma pessoa que não sabe se é "ele" ou "ela" ou que sabe ser um dos dois mas que quer continuar sendo um aparentando ser outro gênero (masculino ou feminino); homossexual; viado, bicha, sapatão, lésbica.

Êla (que na verdade é ele, mas que gostaria de ser ela, ou vice-versa), quer ser atendida por você, sua louca!!!


   Entretanto, pode-se perceber certa confusão ao associar homossexuais e a ideia de "os mesmos gostariam de ser membros do outro gênero", bem como de que todo indivíduo nascido macho, mas que apresente trejeitos afeminados, seja gay, por exemplo. Essa confusão está implícita da definição fornecida pelo usuário, entretanto, deve-se ressaltar que é um erro comum:


Uma das concepções errôneas mais freqüentes envolvendo gênero é a de que homens com traços ou gestos considerados femininos são necessariamente gays, ou que mulheres que vestem roupas largas são, com certeza, lésbicas. Esta idéia é geralmente acompanhada daquela segundo a qual homens afeminados queriam ser mulheres, e mulheres masculinizadas queriam ser homens. (PINHEIRO. 2010)


   Mas, voltando à questão da possível adoção de pronomes neutros, além do "êla(s)", poder-se-ia ter, também um "éle(s)". No caso, aquele faria referência aos "machos biológicos de psiquê feminina", enquanto este seria utilizado para as "fêmeas biológicas de psiquê masculina", enquanto "ele(s)" e "ela(s)" diriam respeito aos "machos biológicos de psiquê masculina" e às "fêmeas biológicas de psiquê feminina", respectivamente. Claro, outra opção seria a já mencionada adoção de um só pronome neutro para a terceira pessoa, além do seu respectivo plural. Assim, por analogia com "ele" e "ela", respeitando certas características da língua (como o fato de que o "e" e o "o" em final de palavras muitas vezes são pronunciados como "i" e "u", respectivamente) e tendo em vista a necessidade de se transmitir uma noção neutra, as possibilidades poderiam ser "ilí(s)" ou "ile(s)", mas também "ulo(s)". Eu particularmente penso que esse último consegue transmitir a noção de neutralidade, talvez por ser estranho.
   Só que não basta pensar num pronome pessoal no caso reto, pois na nossa língua os pronomes adquirem diferentes formas e possuem equivalentes nos pronomes possessivos. Entretanto, haveria apenas a necessidade de estabelecer uma forma oblíqua átona e o possessivo, visto que as formas "se", "lhe", "si" e "consigo" são de utilização tanto para "ele", quanto para "ela", podendo, portanto, ser perfeitamente utilizadas para um hipotético "ilí(s)", "ile(s)", "êla(s)", "éle(s)" ou "ulo(s)". Essa forma seria correspondente às formas "o(s)" e "a(s)" que os pronomes "ele(s)" e "ela(s)" assumem. Aliás, note que essas formas oblíquas átonas são idênticas aos nossos artigos definidos "o(s)" e "a(s)" - isso é devido à origem comum entre pronomes pessoais e artigos definidos, como anteriormente visto.
   Assim, teríamos as seguintes possibilidades:


"Êla"
Singular Reto: êla; Singular Oblíquo Átono: se, lhe, ê, lê, nê; Singular Oblíquo Tônico: si, consigo, êla; Plural Reto: êlas; Plural Oblíquo Átono: si, consigo, ês (a pronúncia acabaria ficando idêntica a de "ex" em algumas regiões), lês, nês; Plural Oblíquo Tônico: si, consigo, êlas.
Contrações: dêla(s), nêla(s).
Possessivos: suê(s).

"Éle"
Singular Reto: éle; Singular Oblíquo Átono: se, lhe, é, lé, né; Singular Oblíquo Tônico: si, consigo, éle; Plural Reto: éles; Plural Oblíquo Átono: si, consigo, és, lés, nés; Plural Oblíquo Tônico: si, consigo, éles.
Contrações: déle(s), néle(s).
Possessivos: séu(s).

"Ilí"
Singular Reto: ilí; Singular Oblíquo Átono: se, lhe, i, li, ni; Singular Oblíquo Tônico: si, consigo, ilí; Plural Reto: ilís; Plural Oblíquo Átono: si, consigo, is, lis, nis; Plural Oblíquo Tônico: si, consigo, ilís.
Contrações: dilí(s), nilí(s).
Possessivos: suí(s).

"Ile"
Singular Reto: ile; Singular Oblíquo Átono: se, lhe, i, li, ni; Singular Oblíquo Tônico: si, consigo, ile; Plural Reto: iles; Plural Oblíquo Átono: si, consigo, is, lis, nis; Plural Oblíquo Tônico: si, consigo, iles.
Contrações: dile(s), nile(s).
Possessivos: siu(s).

"Ulo"
Singular Reto: ulo; Singular Oblíquo Átono: se, lhe, u, lu, nu; Singular Oblíquo Tônico: si, consigo, ulo; Plural Reto: ulos; Plural Oblíquo Átono: si, consigo, us, lus, nus; Plural Oblíquo Tônico: si, consigo, ulos.
Contrações: dulo(s), nulo(s).
Possessivos: suo(s) ou suô(s).


   Pessoalmente, eu dou preferência para o "ulo(s)', mas com as formas oblíquas átonas do "éle(s)", isto é, "é(s)", "lé(s)" e "né(s)", ou, então, com formas oblíquas átonas com o "o" aberto: "ó(s)", "ló(s)" e "nó(s)".
   Quanto aos demais determinantes, no caso dos artigos possíveis, eles acabariam tendo a mesma forma que o pronome escolhido quando oblíquo átono, no caso, poderia ser: ê(s), é(s), i(s) ou u(s). Entretanto, considerando a possibilidade de confusão entre "é" com o verbo "ser" no presente do indicativo e a confusão entre "u" e o "o", as opções ficam reduzidas a "ê(s)" e "i(s)". Assim, teríamos um determinado pronome com certa irregularidade, se comparado com os outros dois pronomes da terceira pessoa.
   No caso dos artigos indefinidos, temos "um", "uns", "uma" e "umas", sendo que as possibilidades para artigos indefinidos neutros poderiam ser: "im (ins)"; "õ(s)"; "ã(s)"; "ão(s)" e mesmo "ein(s)", além de "ime(s)", "umu(s)", "imu(s)", etc.
   Os demonstrativos, por sua vez, são outro caso, pois os mesmos já possuem uma forma neutra, porém, a mesma somente é utilizada para coisas, para seres inanimados. objetos, ou seja, não seria uma boa ideia apenas expandir o significado dos mesmos. Deste modo, poderíamos ter algo como: "ista(s)" ou "usta(s)", "issa(s)" ou "ussa(s)", "aquêla(s)" ou "aquéla(s)" ou "aquile(s)".
   Já os pronomes indefinidos são mais complicados, ou melhor, é mais complicado encontrar uma alternativa para o sistema binário deles, principalmente porque, a meu ver, os sons ficariam pouco agradáveis aos ouvidos (não que as alternativas já vistas para pronomes pessoais e artigos definidos o sejam): "tode(s)", "todó(s)", "pouque(s)", "certe(s)", "tante(s)", etc. Dos pronomes indefinidos variáveis, nenhum se mostra útil de maneira independente, isto é, sem precisarem estar acompanhando palavras como "homem", "garota" ou "pessoa". Por outro lado, os pronomes indefinidos invariáveis "alguém", "outrem" e "ninguém" se mostram úteis, mas apenas para casos que exigem o singular e quando a referência a uma terceira pessoa é feita de maneira indireta.
   Por fim, os pronomes interrogativos e os pronomes relativos se mostram completamente alheios a essas questões.


Concluindo


   A partir do exercício de imaginação feito na seção anterior, pode-se ver que a "necessidade" de desenvolvimento e adoção de pronomes neutros na língua portuguesa atingiria apenas uma parte dessa classe gramatical, mais especificamente alguns pronomes indefinidos variáveis, os pronomes da terceira pessoa, os pronomes possessivos referentes à terceira pessoa, os artigos definidos e os artigos indefinidos, enquanto muitos pronomes indefinidos variáveis, todos os pronomes indefinidos invariáveis, os pronomes interrogativos, os pronomes relativos e todos os demais pronomes pessoais e possessivos ficariam de fora dessa questão.
   Mas isso não chega a ser preocupante, pois esse mesmo exercício se deu mais para (começar a) investigar as possibilidades da língua portuguesa quanto à essa questão, tendo em vista a busca por uma facilidade comunicacional. Somente isso. Não há a intenção de propor uma modificação real no esquema de pronomes da língua, até mesmo porque é perfeitamente possível adotar outras saídas, como, por exemplo, admitir o fato de que o gênero gramatical não é a mesma coisa que o gênero sexual e que não é alterando a língua aqui e ali que isso fara os lusófonos serem menos machistas, menos racistas ou afins. Apenas para exemplificar, não é passando a chamar a presidente de "presidenta", quando apenas a utilização de um singelo pré-determinante (a, esta, essa, aquela, uma, nossa, etc.) basta, que a população brasileira tornar-se-á menos machista. 
   Aliás, esse pensamento "whorfianista" chega a ser perigoso, a meu ver, e muito me lembra a tentativa de purificação linguística presente no clássico 1984, de George Orwell. O "whorfianismo", a saber, é o:


(...) nome dado à hipótese defendida pelo linguista Benjamin Lee Whorf (1897-1941), e também chamada de "relativismo linguístico", segundo a qual a linguagem é, nas palavras do também linguista John McWorther, um "coquetel alterador da mente" - um filtro que determina como pensamos e, mais ainda, o que somos capazes de pensar. Assim, não só a língua portuguesa nos torna machistas, como povos indígenas cujas línguas não trazem o conceito de número têm mentes que se desenvolvem, de algum modo fundamental, diferentemente dos nossos cérebros matemático-quantitativos ocidentais. (ORSI. 2014)


   Em outras palavras, é como se, ao suprimirmos a palavra "mentira" e seus derivados do dicionário e parássemos de utilizá-las, as pessoas se tornassem incapazes de mentir. E da mesma forma que isso abre precedentes para ideias de supremacia étnico-racial, veo ainda como um meio de "policiar a mente alheia" e, se a intenção é evitar conflitos e afins, poder-se-a adotar a utilização dos pronomes da terceira pessoa enquanto referenciais ao sexo biológico, do qual há dois (devido ao fato de variações como o caso das superfêmeas não serem comuns, ignoro-as aqui): macho (ou homem, cromossomos XY) e fêmea (ou mulher, cromossomos XX). Uma medida como essa é muito mais simples.
   Por fim, é sim possível ampliar a utilização do gênero neutro na nossa língua, mas isso não tornaria nossa sociedade mais igualitária, no que tange à identidade de gênero, apenas traria um recurso a mais para a comunicação (quem nunca se viu perdido ao não saber se trata outrem por "ele" ou "ela"?). Para outros casos, ao invés de fazer uso daquelas substituições mencionadas no começo do texto, pode-se utilizar alternativas fornecidas pelas própria língua. Por exemplo, a frase "todos os estudantes se levantaram" pode ser convertida em "todos os estudantes, homens e mulheres, se levantaram" ou em "a totalidade estudantil se levantou", mantendo o sentido.





REFERÊNCIAS

ASSIS, Maria Cristina de. História da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://portal.virtual.ufpb.br/biblioteca-virtual/files/histaria_da_langua_portuguesa_1360184313.pdf>. Acesso em: 04 Dez. 2014.

DICIONÁRIO Informal. Êla. Publicado em: 12 Abr. 2011. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/%C3%AAla/>. Acesso em: 05 Dez. 2014.

OLIVEIRA, Egnaldo. Suécia adota pronome de gênero neutro. In:___. Na Ponta da Língua. Publicado em: 04 Abr. 2013. Disponível em: <http://napontadaslinguas.wordpress.com/2013/04/04/suecia-adota-pronome-de-genero-neutro/>. Acesso em: 04 Dez. 2014.

ORSI, Carlos. Linguagem: causa ou sintoma da nossa cultura? Ou nada disso?. Publicado em: 27 Out. 2014. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/blogs/olhar-cetico/noticia/2014/10/linguagem-causa-ou-sintoma-da-nossa-cultura.html>. Acesso em: 05 Dez. 2014.

PINHEIRO, Lívia R. Entenda identidade de gênero e orientação sexual. In: ELEIÇÕES HOJE. Pela equiparação da LGBTfobia ao racismo - PLC 122. Publicado em: 23 Dez. 2010. Disponível em: <http://www.plc122.com.br/orientacao-e-identidade-de-genero/entenda-diferenca-entre-identidade-orientacao/#axzz3KwoNuZNv>. Acesso em: 05 Dez. 2014.

PINHO, Antônio José de. Aspectos da história da língua: um estudo diacrônico e sincrônico dos pronomes oblíquos tônicos. Florianópolis - SC, 2012. 351p. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/106984/318936.pdf?sequence=1>. Acesso em: 05 Dez. 2014.

ROTHSCHILD, Nathalie. Sweden's new gender-neutral pronoun: hen. In: The Slate Group. Slate. Publicado em: 11 Abr. 2012. Disponível em: <http://www.slate.com/articles/double_x/doublex/2012/04/hen_sweden_s_new_gender_neutral_pronoun_causes_controversy_.html>. Acesso em: 05 Dez. 2014.

TEYSSIER, Paulo. CUNHA, Celso (trad.). História da Língua Portuguesa. Ed. Martins Fontes. Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/158086/mod_resource/content/1/TEYSSIER_%20HistoriaDaLinguaPortuguesa.pdf>. Acesso em: 04 Dez. 2014.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Quem se forma em Letras é o quê?

   Uma questão que inquieta a mente de muitos estudantes e profissionais da área de Letras diz respeito à denominação daquele que se forma na área, pois, apenas para exemplificar, quem se forma em Biologia é biólogo(a), enquanto que quem se forma em Física recebe a denominação de físico(a), ao passo que o indivíduo formado em História é um historiador, mas e quem se forma em Letras? Que nome se dá ao indivíduo formado nessa área do conhecimento?
   Tenho visto e ouvido esporadicamente alguns debates ou posicionamentos quanto a essa questão, sobretudo na rede social denominado Facebook, sendo que, na maioria dessas situações por mim presenciadas, apenas se levanta o questionamento, enquanto em outras há a apresentação e a defesa ou rejeição do termo "letrólogo".
   Quanto a esse termo, eu ainda não descobri se há um cunhador oficial dele, mas provavelmente o mesmo surgiu na mesma onda nomeadora que originou o "odontólogo" e o "turismólogo", sendo possível encontrá-lo como um adjetivo associado ao substantivo "graduando" no segundo parágrafo da página de apresentação do site da revista científica Graduando.
   Entretanto, o que mais me chamou a atenção nas minhas buscas foi a definição dada por Socram, usuário do sítio Dicionário Informal, para a palavra "letrólogo", a qual transcrevi na íntegra:


Letra: Sinais escritos em outros sistemas de escrita são melhor chamados silabogramas (que denotam uma sílaba) ou logogramas (que denotam uma palavra ou frase). logos = "palavra", por extensão, "estudo, análise, consideração, questionamento sobre alguma coisa ou algo"). Letrólogo é o profissional de nível superior diplomado Letras. Letras é o estudo da língua portuguesa e de idiomas estrangeiros e de suas respectivas literaturas. O profissional de Letras pesquisa e ensina o português e idiomas estrangeiros e a literatura brasileira e de outros povos. Em geral, ele se especializa em uma língua moderna, como inglês, espanhol, francês e alemão, mas também pode dedicar-se a línguas clássicas, como latim e grego. Essa é uma área em que é preciso estudar sempre, a fim de manter o domínio dos idiomas e estar atualizado com as novas expressões idiomáticas. O principal campo de trabalho para o licenciado está nas escolas de ensinos fundamental e médio ou de idiomas. Mas também há espaço em editoras, para fazer a preparação de originais e para revisar e traduzir textos, e nas áreas de interpretação e secretariado bilíngue.

Letrólogo estuda temas que incluem a história, a estrutura e o funcionamento de uma ou mais línguas e a cultura e a literatura de povos.


   A definição para a palavra ainda não registrada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa ("odontólogo" já se encontra registrada, mas, em compensação, "turismólogo" ainda não o foi também) é muito boa, porém, cabe ressaltar duas coisas:
   1) o curso superior de Letras no Brasil não se mostra da forma como o conceito dado pelo usuário dá a entender, não havendo uma uniformidade que é válida para qualquer parte do país e tampouco sendo voltado exclusivamente para a subárea de Letras. Hã? Subárea, como assim?
   2) Exatamente, a Área de Conhecimento de Letras possui duas subáreas, "Linguística" e "Letras", as especificidades de ambas costumando estar presentes na matriz curricular dos curso de Letras e, como é natural do ser humano ter mais afinidade com determinadas coisas do que com outras, nem todo profissional de Letras irá atuar simultaneamente e nem com a mesma qualidade nesses dois universos que o curso abrange.
   Para entender melhor, utilizarei a tabela de áreas de conhecimento da CAPES. Segundo o que entendi dessa tabela (páginas 27 e 28) e do texto disponibilizado na página anteriormente lincada, temos várias Grandes Áreas (ou "1º Nível"), das quais há uma denominada "Linguística, Letras e Artes" (código 80000002), a qual congrega duas Áreas de Conhecimento ou Áreas Básicas ou Áreas de Avaliação (2º Nível):  "Letras/Linguística" e "Artes/Música". Delas, a primeira divide-se em duas Subáreas (3º Nível), as quais são denominadas "Linguística" e "Letras", aquela possuindo 06 (seis) Especificidades (4º Nível), enquanto esta possui 10 (dez).
   As especificidades da Subárea "Linguística" são: Teoria e Análise Linguística, Fisiologia da Linguagem, Linguística Histórica, Sociolinguística e Dialetologia, Psicolinguística e Linguística Aplicada.
   Já "Letras" possui as seguintes especificidades: Língua Portuguesa (LP, para os íntimos), Línguas Estrangeiras Modernas, Línguas Clássicas, Línguas Indígenas, Teoria Literária, Literatura Brasileira, Outras Literaturas Vernáculas, Literaturas Estrangeiras Modernas, Literaturas Clássicas e Literatura Comparada.
   Assim, como não existe um uniformidade curricular dos curso de Letras espalhados pelo país, alguns trarão essas especificidades mais harmonicamente distribuídas, enquanto outros penderão mais para as de uma subárea do que de outra, sendo provável, ainda, que existam cursos que sequer contenham as especificidades linguísticas, enquanto há graduação voltada exclusivamente para a linguística e que recebe os nomes de "Linguística" ou "Letras (linguística)". Quanto a esta última possibilidade de graduação, o Guia do Estudante menciona a sua existência em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; em Campinas, na Universidade de Campinas - UNICAMP; e em São Paulo, na Universidade de São Paulo - USP.
   Mas por qual motivo estou tratando disso? Primeiramente, porque, devido à falta de uniformidade dos cursos de Letras no Brasil e o fato de que os mesmos não produzem somente licenciados, mas também bacharéis, penso que seja inadequado utilizar o termo Letrólogo para se referir de maneira geral ao graduado em Letras, sobretudo segundo a definição fornecida pelo usuário Socram.
   Segundo, porque, como lembra o blog "Português é Legal", ser professor não é a única opção de quem se gradua em Letras e as possibilidades de atuação profissional são variadíssimas, sendo um equívoco querer tratar o graduado em Letras da mesma maneira simples e direta que se trata quem cursou medicina, por exemplo.
   Assim, e considerando que termos como "letrista", "beletrista", "literato" e "letrado" não dizem respeito exclusivamente à pessoa que graduou em algum curso de Letras, defendo que o ideal seja a nomeação do indivíduo de acordo com a sua área de atuação profissional - e aqui sim o termo "Letrólogo" entraria, enquanto nomeação para aqueles dotados de maior afinidade com a subárea de Letras, ao passo que os atuantes da subárea denominada "Linguística" deveriam ser nomeado "Linguistas".
   Por fim, há ainda as nomeações mais específicas, atreladas a algumas especificidades, como "filólogo", "sociolinguista", "professor de inglês", "professor de português e literatura", etc.





Referências


ABL. Busca no vocabulário. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>. Acesso em: 26 nov. 2014.

CAPES. Tabela de áreas de conhecimento/avaliação. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao>. Publicado em: 01 abr. 2014. Última atualização em: 20 out. 2014. Acesso em: 26 nov. 2014.

CONSELHO Editorial. Apresentação. In: UEFS. Graduando: Entre o ser e o saber. Disponível em: <http://www2.uefs.br/dla/graduando/apresentacao.htm>. Acesso em: 26 nov. 2014.

MARTINS, Pablo; PEREIRA, Carolina de Jesus. 4 coisas que você não sabia sobre pessoas de Letras. In:___. Português é legal. Disponível em: <http://www.portugueselegal.com.br/4-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-pessoas-de-letras/>. Publicado em: 27 fev. 2014. Acesso em: 26 nov. 2014.

MARTINS, Pablo; PEREIRA, Carolina de Jesus. Mais 5 coisas que você não sabia sobre pessoas de Letras [Parte II]. In:___. Português é legalDisponível em: <http://www.portugueselegal.com.br/mais-5-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-pessoas-de-letras-parte-ii/>. Publicado em: 17 abr. 2014. Acesso em: 26 nov. 2014.

SOCRAM. Letrólogo. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/letr%C3%B3logo/>. Acesso em: 26 nov. 2014.


domingo, 28 de setembro de 2014

Diário de Bordo IV

         Vinte e oito de setembro de dois mil e quatorze.
       Após uma manhã dedicada aos ajustes deste blogue e à construção dos slides para a apresentação da tarde, Êmilly foi almoçar na casa dela, mas eu (Leno) e Dayane fomos com Raylane Oliveira, uma colega nossa da graduação que está fazendo a especialização em Língua Inglesa, até aquela praça de alimentação ao lado da Casa do Artesão para almoçar.
        O prato da Dayane veio rápido, mas o nosso demorou, mas quando veio, veio todo errado, mas enfim, conseguimos comer, após finalmente acertarem os pratos. Diga-se de passagem, nossa colega foi acertada em cheio por um daqueles passarinhos que ficam por ali, se é que me entendem.
    De volta à pós, as duas da tarde, mais ou menos, começaram as apresentações dos grupos, na sala 33, no terceiro piso do IESAP. No geral, as apresentações foram todas boas, esclarecedoras. Fomos o quinto e penúltimo grupo a apresentar, sendo que esse "fomos" corresponde à toda a gigantesca turma de Metodologia em Língua Portuguesa e Literatura: Ana Paula Castelo, Bruna Ferreira Gonzalez, Dayane Miranda dos Santos, Êmilly Michele de Almeida Macêdo, Heloane Baia, José Romariz Barreto.
        Por fim, depois disso tudo, batemos fotos com a professora e, após o último grupo se apresentar e a professora passar a "lição de casa" (este relatório aqui, diga-se de passagem), TODA A TURMA (composta pelo povo de Metodologia em Língua Portuguesa e Literatura, Coordenação Pedagógica e Docência no Ensino Superior) tirou foto com a professora e fomos para nossos respectivos cantos.
       Encerramos, assim, a jornada nessa disciplina da pós e damos por iniciados os trabalhos neste blogue.